Direito Individual de Locomoção: Até que ponto o estado pode intervir?
No âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.341[1], proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), tendo como objeto a Medida Provisória nº 926/2020, o ministro do Supremo Tribunal (STF) Marco Aurélio Mello decidiu que os governadores e prefeitos têm poderes sobre o direito individual de locomoção em estados e municípios.
Assim, diante da pandemia da COVID-19, vislumbram-se que medidas restritivas como a limitação do acesso e da circulação de pessoas têm sido tomadas a fim de evitar a propagação do vírus, oportunidade em que se observa a atuação conjunta entre os entes federativos.
Estas medidas impulsionam o debate sobre os limites da interferência do Estado direito individual de locomoção dos indivíduos em prol da coletividade. Isso ocorre pelo dever estabelecido na Constituição Federal de cuidar da saúde, garantindo medidas que visem a redução do risco de doença.
O que diz a Constituição sobre o direito individual de locomoção?
Neste quadro, a Constituição Federal traz em seu art. 5º, XV, a direito individual de locomoção dentro do território brasileiro, que consiste no direito fundamental de ir e vir. Trata-se de um direito de primeira dimensão que trouxe obrigações negativas para o Estado, ou seja, obrigação de não intervir, a fim de proteger a esfera da autonomia pessoal frente às eventuais arbitrariedades cometidas pelo Estado.
A sua importância é reforçada pela existência do Habeas Corpus, remédio constitucional dirigido à tutela da liberdade de locomoção, o qual é considerado cláusula pétrea.
Entretanto, nenhum direito fundamental pode ser considerado absoluto, posto que pode ser objeto de limitação, devendo ser analisado à luz da proporcionalidade, que estabelece que as medidas tomadas devem estar respaldadas pela adequação, necessidade e análise do custo-benefício, ou seja, os benefícios devem estar presentes em maior escala.
Além disso, a própria Constituição relativiza o exercício do direito individual de locomoção no momento que dispõe que se aplica no tempo de paz, além de deixar ao encargo de lei infraconstitucional uma possível restrição.
Cita-se também o art. 139, I da CRFB/88 que estabelece que durante o estado de sítio poderá haver obrigação de permanência em determinada localidade e o art. 27 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos que estabelece que em caso de guerra, de perigo público ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado parte, este poderá adotar disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitado às exigências da situação, suspensão as obrigações contraídas na referida Convenção.
Neste sentido, recentemente o Congresso Nacional aprovou o estado de calamidade pública, tendo em vista a situação excepcional de emergência de saúde.
Direito coletivo acima do individual?
Importante ressaltar que a saúde é um direito social, expressamente resguardado pela Constituição em seus artigos 6º e 196, tratando-se de direito de segunda dimensão, que estabelece uma prestação positiva do Estado, se relacionando diretamente com os objetivos de justiça social e com o direito à vida.
Além disso, tendo em vista o federalismo cooperativo, em que se tem como uma das características a repartição de competências, a saúde surge como competência comum dos entes federativos.
Volta-se, assim, à análise comparativa de ambos direitos fundamentais frente à atual situação ocasionada pelo COVID-19.
Certo é que o Estado não pode prestar uma proteção insuficiente aos indivíduos ou sequer restringir excessivamente os direitos. Ademais, deve-se sopesar o interesse da coletividade em prol da necessidade da proteção do núcleo essencial, da necessidade da observância do princípio da concordância prática e no juízo de ponderação.
Conclusão
Dessa forma, havendo concorrência entre dois bens jurídicos tutelados, deve-se adotar uma solução que seja menos gravosa e que busque a maior realização dos direitos envolvidos.
Assim, tem-se tais restrições como adequadas, aptas a promover a preservação do direito fundamental da coletividade, vez que o direito à saúde e, consequentemente, à vida, adquire preferência prima facie, já que não há que se falar no livre trânsito do indivíduo se não houver amparo do Poder Público em proteger a vida.
Fonte: jus.com.br
Veja também a decisão do STF sobre passar o controle do isolamento social para Estados e Municípios.