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Pandemia jurídica – impactos do novo coronavírus na atividade jurisdicional

A pauta do momento é o novo coronavírus.  Nesse texto,vamos mostrar mais especificamente seus impactos na rotina da atividade jurisdicional e como nossa estrutura processual não está nem um pouco preparada para lidar com situações extremas como a que ora se vive.

Pois bem. Os coronavírus advêm de uma grande família viral e são conhecidos desde meados da década de 60, causadores de infecções respiratórias em humanos e animais, com período de incubação de 2 a 14 dias. O novo vírus é apontado como uma variação dessa família, e a doença por ela provocada foi nomeada oficialmente pela Organização Mundial de Saúde como COVID-19.

O primeiro alerta para a doença se deu em 31 de dezembro de 2019, quando autoridades chinesas notificaram pneumonia na cidade de Wuhan, sétima maior cidade da China, com 11 milhões de habitantes. Não se sabe ao certo como se deu a primeira transmissão para humanos, mas a suspeita é de que tenha sido por algum animal silvestre, como a cobra ou o morcego, passando de animal para humano e, posteriormente, de humano para humano.

Se o epicentro do problema foi inicialmente a China, ao menos nos dois primeiros meses de 2020, logo começou a chegar nos demais continentes, vindo a gerar enormes perdas na Itália no começo do mês de março. No Brasil, o novo coronavírus foi identificado pela primeira vez no dia 26 de fevereiro (quarta-feira de cinzas), com o teste positivo em um homem de 61 anos, morador de São Paulo, que havia viajado à Itália entre 9 e 21 de fevereiro.

O cenário começou a se tornar mais assustador no Brasil a partir da semana compreendida entre 08 e 14 de março, quando os casos se espalharam por vários estados da federação e surgiram os primeiros casos de transmissão comunitária. No dia 11 de março, a Organização Mundial de Saúde – OMS, analisando o aumento no número de casos e a disseminação global, decretou que estaríamos diante de uma pandemia. Além disso, causou polêmica a medida adotada pelo Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, no mesmo dia 11 de março, quando anunciou o fechamento dos aeroportos americanos para voos oriundos da Europa, exceto do Reino Unido. Na mesma semana, repercutiu em todo o mundo a medida adotada pelo governo italiano, de determinar o confinamento obrigatório de sua população, com o objetivo de conter o avanço da virose.

No Brasil, a primeira grande medida restritiva de impacto foi oriunda do Governo do Distrito Federal, quando da edição do Decreto n.º 40.509, de 11 de março de 2020. Naquele instrumento, restaram suspensas por cinco dias os eventos de qualquer natureza, que exigissem licença do poder público, com público superior a cem pessoas, e as atividades educacionais em todas as escolas, universidades e faculdades, das redes de ensino pública e privada. Criticada por muitos de início, que viram o ato como extremado e exagerado, a medida se revelaria tão acertada que foi seguida, na semana subsequente, por boa parte dos Governadores espalhados pelo país.

Como ninguém nunca imaginou, vários países do mundo, incluindo o Brasil, foram aos poucos parando. Em alguns casos, por precaução. Em outros tantos, por força de medidas determinadas pela União, pelos Estados ou pelos Municípios. Escolas e universidades suspenderam aulas. Teatros, lojas, shoppings, cinemas, academias de ginástica suspenderam atividades. Shows, congressos e outros eventos que gerariam aglomerações foram cancelados ou adiados. Competições esportivas foram completamente paralisadas. Órgãos públicos e privados passaram a flexibilizar jornadas de trabalho. Home Office virou a palavra da moda. O confinamento se tornou necessário para que a disseminação do vírus no país não se dê tão rapidamente, de modo a que o sistema de saúde possa acolher os casos mais graves. Solidão passou a rimar com solidariedade.

 

Se tudo no país praticamente parou, tal não poderia ser diferente com as atividades do Poder Judiciário.

Aos poucos, em especial na semana compreendida entre 15 e 20 de março, vários tribunais superiores e inferiores foram publicando atos, ora suspendendo expediente, ora restringindo o acesso, ora suspendendo prazos, cada qual de um modo e a seu tempo, gerando enorme insegurança aos advogados e, por tabela, aos jurisdicionados.

A disparidade começa nas próprias cortes superiores. O Supremo Tribunal Federal editou a Resolução n.º 663, de 12 de março de 2020, criando restrições de acesso ao plenário e às turmas, nos dias de sessão, suspendendo ainda o atendimento presencial do público externo e viabilizando o regime de trabalho remoto aos servidores maiores de sessenta anos e aos portadores de doenças crônicas. Até o fechamento desta coluna, não houve qualquer tipo de suspensão de prazos processuais naquela Corte Suprema.

No Superior Tribunal de Justiça, inicialmente foram canceladas todas as sessões de julgamento e audiências presenciais, a partir de 17 de março, seguindo até o dia 27 de março de 2020, sem qualquer suspensão de prazos processuais. Na Resolução n.º 04, de 16 de março de 2020, também se estimulou que os gestores adotassem o regime de trabalho remoto, suspendendo-se ainda a entrada de público externo no tribunal. De modo mais radical, já no dia 18 de março de 2020, o STJ editou a Resolução n.º 05, em que suspendeu a prestação presencial de serviços não essenciais e expressamente suspendeu todos os prazos processuais no período de 19 de março de 2020 a 17 de abril de 2020.

Já no Tribunal Superior do Trabalho, restaram suspensos os prazos processuais e as sessões presenciais de julgamento, no período compreendido entre 17 de março e 31 de março de 2020, conforme o Ato n.º 126, de 17 de março de 2020. No mesmo ato, foi suspensa a prestação presencial de serviços não essenciais no âmbito daquela Corte, bem como se estimulou o regime de teletrabalho.

No âmbito dos Tribunais Regionais Federais, ocorreu a suspensão de prazos judiciais na 2ª, na 3ª e na 5ª Regiões, mas com intervalos temporais distintos. Medida similar não foi adotada, até o fechamento da coluna, na 1ª e nem na 4ª Região, adotando-se em tais tribunais apenas medidas restritivas de acesso e estímulo ao regime de teletrabalho.

Se formos observar os atos que têm sido editados nos Tribunais Regionais do Trabalho e nos Tribunais de Justiça, nitidamente repete-se a aludida diversidade de deliberações.

Alguns, talvez não tão preocupados com as medidas sugeridas pelas autoridades sanitárias, ou levando em conta números inexpressivos da presença do novo coronavírus em seus Estados, mantém os expedientes e o curso dos prazos processuais, com algumas medidas restritivas de acesso ao público. De outra sorte, outros tantos já houveram por suspender, por completo, o funcionamento e o atendimento ao público, de modo a que magistrados e servidores adotem o regime de trabalho remoto. Dentre esses, alguns suspenderam prazos apenas de processos que tramitam em autos físicos, outros suspenderam de modo indistinto, outros silenciaram quanto à suspensão.

 

No meio de toda essa confusão, como ficam o advogado e o jurisdicionado?

Importante destacar que defendemos, na linha do que sustentam as mais importantes vozes da medicina brasileira e estrangeira, que as medidas extremas são absolutamente necessárias para que se possa evitar ao máximo que a propagação do vírus se dê em uma curva de ascendência muito significativa, que inviabilize o atendimento dos casos mais graves nos leitos hospitalares. Nessa linha, todo sacrifício é importante, inclusive daqueles que operam no meio jurídico. Se os tribunais e fóruns são ambientes que congregam centenas, milhares de pessoas todos os dias circulando, nas varas, gabinetes, salas de audiências ou salas de sessões, parece-nos mais do que natural que tenham os seus expedientes suspensos, com magistrados e servidores alocados para o regime de trabalho remoto, de suas residências.

Não é recesso, não são férias. Cada qual há de permanecer, considerando as peculiaridades do período excepcional, laborando no formato home office. Despachos, decisões – inclusive as de urgência -, sentenças e até acórdãos haverão de ser proferidos ou lavrados. E esse método precisa ser seguido também pelos advogados e pelos escritórios de advocacia ou procuradorias. De nada adianta o Judiciário estar fechado e os grandes escritórios ou procuradorias estarem com seu regular funcionamento, colocando em risco a saúde de advogados, procuradores, funcionários, estagiários e respectivos familiares. O teletrabalho, necessariamente, se não estava nos planos, precisa ser objeto de adaptação urgente à situação anormal.

Prejuízos todos estão e estarão a suportar. Empresários, comerciantes, industriais, produtores de eventos, donos de bares e restaurantes, artistas, esportistas… Não poderiam os jurisdicionados e, por conseguinte, os seus advogados, escapar dos prejuízos que uma crise sem precedentes dessa está a acarretar. No entanto, o que não dá para admitir é o clima de incerteza e insegurança a que são submetidos no exercício de seus misteres. A omissão legislativa para atender a situações como a que presentemente se vivencia fez com que cada Tribunal resolva da forma que melhor lhe aprouver. Chega-se ao absurdo, por exemplo, de fechar por completo alguns tribunais  –  o que não discordamos – sem por consequência suspender prazos judiciais, como se o expediente forense pela via remota pudesse absorver por completo.

Não parece adequado interpretar que o advogado não precise atuar fisicamente em autos que tramitam eletronicamente, de modo a que o trabalho remoto possa ser interpretado como regular expediente forense. Há despachos pessoais necessários com juízes, assessores, desembargadores. O advogado ficará privado disso ou é adequado forçar que isso se dê por e-mail? Não custa lembrar que praticamente nenhum tribunal está estruturado para os despachos por meio de vídeo-conferência. Alguns preparos recursais, mesmo em autos eletrônicos, somente se concretizam fisicamente. Ademais, a ausência de suspensão de prazos praticamente força as equipes a se manterem em seus escritórios ou procuradorias, por conta dos sistemas ou documentos necessários à consulta.

 

Aí fica a pergunta: preservam-se magistrados e servidores, mas não os advogados e procuradores?

Não são, pois, impactos simples de suportar. Processos tramitarão com maior lentidão, prazos serão perdidos, muitos advogados não terão condições de arcar com suas estruturas ou com suas próprias subsistências. Em se prolongando no tempo, far-se-á indispensável que as principais entidades que gerem o sistema processual, aí incluídos, dentre outros, o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Procuradoria-Geral da República, envidem esforços para que as medidas possam ser adotadas de modo mais uniforme e para que não se gere uma completa paralisação da atividade jurisdicional.

A verdade é que estamos diante da maior crise sanitária e econômica que essa geração, nascida após a Segunda Grande Guerra Mundial, poderia vivenciar. Inesperada, invisível, dolorida. Haveremos de superar. Juntos, mas sem contato, venceremos o inimigo comum.

Por fim, fechamos com um apelo. Fiquem em casa. Nada, ou quase nada, no presente momento, é inadiável. Preservem-se. Cuidem de seus familiares, especialmente dos mais idosos ou dos que fazem parte do grupo de risco. Quanto mais nos protegermos, quanto mais nos reservamos, mais conseguiremos evitar que a disseminação do vírus se dê tão rapidamente. Temos certeza que em breve os abraços e os sorrisos voltarão ao nosso cotidiano.

 

Reprodução: jota.info